“Dai pois a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus”. 58u2j
A liturgia do 29º Domingo do Tempo Comum convida-nos a reflectir acerca da forma como devemos equacionar a relação entre as realidades de Deus e as realidades do mundo. Diz-nos que Deus é a nossa prioridade e que é a Ele que devemos subordinar toda a nossa existência; mas avisa-nos também que Deus nos convoca a um compromisso efectivo com a construção do mundo.
A primeira leitura, sugere que Deus é o verdadeiro Senhor da história e que é Ele quem conduz a caminhada do seu Povo rumo à felicidade e à realização plena. Os homens que actuam e intervêm na história são apenas os instrumentos de que Deus se serve para concretizar os seus projectos de salvação.
O Salmo 95 – Ó família das nações, dai ao Senhor poder e glória!
A segunda leitura , apresenta-nos o exemplo de uma comunidade cristã que colocou Deus no centro do seu caminho e que, apesar das dificuldades, se comprometeu de forma corajosa com os valores e os esquemas de Deus. Eleita por Deus para ser sua testemunha no meio do mundo, vive ancorada numa fé activa, numa caridade esforçada e numa esperança inabalável.
O Evangelho, ensina que o homem, sem deixar de cumprir as suas obrigações com a comunidade em que está inserido, pertence a Deus e deve entregar toda a sua existência nas mãos de Deus. Tudo o resto deve ser relativizado, inclusive a submissão ao poder político.
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“Dai a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus”. Eis, caríssimos irmãos no Senhor, a frase que resume perfeitamente a Liturgia da Palavra deste Domingo. Frase tão conhecida, tão repetida e tão poucamente compreendida! E, no entanto, uma das frases mais radicais e revolucionárias do Evangelho; frase que bem serve de bandeira para os crentes do mundo descrente de hoje.
Recordemos o contexto. Os inimigos de Jesus prepararam-lhe uma inteligente armadilha. Primeiro o elogiaram com um elogio hipócrita, mas, fiel à realidade, que nos mostra bem a grandeza de caráter do Senhor nosso: “Mestre, sabemos que és verdadeiro e que, de fato, ensinas o caminho de Deus. Não te deixas influenciar pela opinião dos outros, pois não julgas um homem pelas aparências”. Que belo elogio! Que belo exemplo a ser seguido! Mas, eis que vem a armadilha: “É lícito ou não pagar o imposto a César?” Se Jesus respondesse “sim”, seria acusado de peleguismo, de colaboracionismo com os opressores pagãos romanos, impuros e odiados pelo povo; se respondesse “não”, seria acusado de revoltoso anti-romano diante de Pôncio Pilatos pelos seus próprios inimigos; se respondesse “não sei”, seria desmoralizado como um rabi incompetente e estulto. Eis, pois: a armadilha era perfeita! Mas, a resposta de Jesus foi mais perfeita ainda, verdadeiramente irável! Pediu uma moeda, perguntou de quem era a inscrição… “Então, se usais a moeda de César, é porque César é quem manda de fato! Dai, pois, a César o que é de César!” E, então vem o complemento. Impressionante: “Mas, dai a Deus o que é de Deus!”
Que significa tal resposta? À primeira vista, Jesus estaria dividindo o mundo, as realidades, em duas áreas: uma para Deus e outra para César. Deus e César, lado a lado… Nada disso! Ao ensinar a dar a César o que é de César, o Senhor nos convida a respeitar as estruturas da sociedade em que vivemos, a levá-las a sério, a bem viver nelas. César, aqui, significa o mundo em que vivemos, com toda sua riqueza e complexidade. César é a política, César é a Pátria, a família; César é o trabalho, o emprego, o esporte que praticamos; César são os amigos e os sonhos nossos… Tudo quanto é humano e legítimo pode e deve ser apreciado e respeitado pelos cristãos. Podemos dar a César o que é de César, sem medo nem temor! Mas, ao ensinar e exortar a dar a Deus o que é de Deus, o Senhor nos recorda com toda seriedade que somente Deus é Deus. E o que se deve dar a Deus? Tudo; absolutamente, tudo! De Deus é a nossa vida, de Deus é a nossa morte, de Deus é tudo quanto temos, vivemos e somos: Dai a César o que é de César, mas recordai que também César pertence a Deus! César não é Deus! E aqui está o genial e irável da resposta de Nosso Senhor. César se julgava Deus, era chamado “Divino César”, considerava-se senhor da vida e da morte! Ora, Jesus nega a César tal pretensão! César é somente César e, como César, morrerá! Somente o Senhor é Deus! A ciência não é Deus, a tecnologia não é Deus, os grandes do mundo não são Deus! Só o Senhor é Deus! São Paulo faz eco a essas palavras de Jesus ao nos afirmar: “Tudo pertence a vós: Paulo, Apolo, Cefas, o mundo, a vida, a morte, as coisas presentes e as futuras.Tudo é vosso; mas vós sois de Cristo e Cristo é de Deus” (1Cor 3,21-23).
A grande tentação nossa é colocar no lugar de Deus os tantos césares da vida. Não se endeusa a ciência? Não se absolutiza a tecnologia, não se adora o sexo? Os grandes do mundo – grandes pelo poder, ou pela riqueza, ou pelo sucesso – não se acham divinos, sem reconhecer, como Ciro, na primeira leitura de hoje, que tudo vem de Deus, que estamos nas suas mãos, que tudo é, misteriosamente, fruto da sua providência?
Cristão, tu deves participar da vida da humanidade, deves ser homem entre os homens, deves participar da construção da sociedade… Tu deves saber apreciar o que de bom e de belo existe no mundo… Mas, não te esqueças: nada disso é Deus, nada disso merece tua adoração, nada disso deve prender teu coração: nem família, nem pátria, nem amigos, nem posse, idéias ou poder! Só o Senhor é Deus! A César, o que é de César; a Deus tudo, pois tudo é de Deus! Viver assim é crer de verdade, é levar Deus a sério de verdade! Grande ilusão nossa é pensar que podemos colocar Deus no meio de tantos e tantos amores, de tantas e tantas paixões, fazendo dele apenas mais uma, entre tantas realidades da vida. Não! Ele é tudo, ele é o Tudo, como dizia São Francisco de Assis: “Tu és o Bem, todo o Bem, o Bem universal!”
Caríssimos, que na oração, na experiência da vida sacramental e na escuta da Palavra do Senhor nós aprendamos e reconhecer Deus como Deus na nossa vida, para que, como aconteceu com os cristãos de Tessalônica, na segunda leitura de hoje, estejam diante de Deus sem cessar “a atuação da vossa fé, o esforço da vossa caridade e a firmeza da vossa esperança em nosso Senhor Jesus Cristo”. Amém.